(Ebook) QUALIDADE(S) DA ESCOLA PÚBLICA: REINVENTANDO A AVALIAÇÃO COMO RESISTÊNCIA by Mara Regina Lemes de Sordi; Adriana Varani; Geisa do Socorro Cavalcanti Vaz Mendes ISBN 9788592592790, 8592592798
PREFÁCIOEm torno de 2002 ou 2003, várias prefeituras iniciavam umciclo de administração progressista. Isso valia também para Campi-nas. O Laboratório de Observações e Estudos Descritos (LOED) vi-nha atuando na contramão das propostas de avaliação educacionalque já naquela época despontavam enfatizando o controle da escolapelas avaliações externas.Alguns anos depois, este movimento ganha força e se conso-lida em escala nacional com a criação do Movimento Todos pelaEducação, ponta de lança destas ideias, ancorado em uma ampla ali-ança nacional e financiado por empresas e banqueiros. Esta políticase desvelaria por completo com o golpe de 2016 que retomou as te-ses da época de Fernando Henrique Cardoso (precursor desta políti-ca no final dos anos 90). No caso da educação, houve o retorno damesma equipe que trabalhava com FHC.Analisando o cenário internacional no campo da políticaeducacional e os movimentos internos nacionais, ficava claro que seaproximava uma dura luta no campo educacional contra teses queampliavam o controle sobre a escola e a colocavam na linha da pri-vatização.Naqueles anos de início de século XXI, procuramos a entãoSecretária de Educação do Município de Campinas, Profa. CorintaGeraldi, e propusemos um trabalho entre o LOED e a Prefeitura des-tinado a implementar propostas alternativas de avaliação que desen-volvessem de forma inovadora os processos de avaliação da escola.A ideia era ajudar o município a desenvolver uma forma alternativaque evitasse a instalação de políticas equivocadas de avaliação. Inici-ava-se uma parceria que atravessaria várias gestões e duraria atéhoje.Naquela época, já havíamos acumulado alguma experiênciacom a prática pedagógica das escolas, mas não dispúnhamos deuma proposta de avaliação para a educação básica. A equipe de pro-2fessores do laboratório contava com membros experientes e com vi-vência da dinâmica das escolas básicas. No entanto, do ponto de vis-ta teórico, o que tínhamos nos remetia para enfoques de avaliaçãoparticipativa que norteavam a avaliação da educação superior: umaforte convicção de que a avaliação era uma construção interna dasescolas envolvendo a sua comunidade interna e externa. A avaliaçãooficial externa, sem este núcleo interno, não teria significação práticapara as escolas. Isso rompia a ideia de um controle vertical sobre aescola, que já começava a se estabelecer como estratégia nas políticaspúblicas governamentais – especialmente no Estado de São Paulo.Basta lembrar que apenas 4 anos depois, em 2007, criava-se o Índicede Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dentro de uma po-lítica pública federal que imitava o No child left behind, lei americanade avaliação das escolas básicas daquele país, instalando no Brasil aavaliação censitária das escolas públicas de educação básica.O modelo geral com o qual o LOED trabalhava implicavaatribuir à escola, numa perspectiva participativa, o papel de media-dora entra a sala de aula e as próprias avaliações nacionais. Sem amicropolítica da escola, não haveria uma reflexão sobre as avaliaçõesexternas que conduzisse a modificações duradouras e conscientes nasua prática pedagógica. Nem mesmo haveria uma contextualizaçãolocal, da escola, sobre o significado daqueles dados externos.No LOED, quem entendia mais do enfoque de avaliação par-ticipativa vinculado ao ensino superior era Mara Regina Lemes DeSordi. Propusemos, então, que fosse feito um exercício de desenvol-vimento daquelas teses participativas, aplicadas agora à educaçãobásica. Vem daí a ideia das Comissões Próprias de Avaliação no inte-rior das escolas básicas. Tais comissões transformaram-se em umaâncora mediadora e deram corpo à participação dos vários segmen-tos da escola.Dentro do enfoque do LOED sempre ocupou lugar de desta-que a inter-relação entre as condições sociais das crianças e seu de-sempenho escolar. Tais condições usualmente são reduzidas à ideiade nível socioeconômico e expressa em um número. Este construto,3no entanto, contém variados aspectos entre eles a influência da loca-lização socioespacial, as condições familiares, entre outras. Juntas es-tas condições explicam mais da metade do desempenho das crian-ças. Deste ramo de investigações, encarregou-se Maria Márcia SigristMalavasi.Esta publicação é uma pequena mostra da natureza e alcancedos estudos desenvolvidos em conjunto com a rede pública munici-pal de Campinas, sem a qual, seria impossível pensar formas alter-nativas de avaliação participativa. As redes, com seus profissionaisexperientes, possuem conhecimento indispensável para tal. A pro-dução de inovação que envolva a ideia de participação nasceria mor-ta sem os profissionais da rede pública. Ela não pode ser primeiroproduzida na universidade, para depois ser transferida para as esco-las. Ela deve nascer no interior da própria rede, com apoio da uni-versidade, se deseja fazer sentido para os gestores, professores e es-tudantes.Mas ao longo destes desenvolvimentos, tornou-se essencialque nos envolvêssemos diretamente com uma questão crucial: quaissão as finalidades da educação escolar que deveriam nortear os pro-cessos de avaliação participativos? Da resposta a esta questão, de-pendia o desenvolvimento dos processos avaliativos. Caso as finali-dades, seus objetivos, fossem os de ensinar português e matemática,preferencialmente, abrindo caminho para as demais disciplinas, issofixaria um horizonte muito estreito para o papel da escola.Tal preocupação sobre o que significa uma “boa educação”nos levou à discussão sobre a formação humana e o papel da educa-ção escolar, para poder estabelecer um leque de horizontes formati-vos que orientasse a própria avaliação do papel da escola na forma-ção das crianças.Do debate teórico, sempre em conjunto com a rede pública,passamos para as questões técnicas. Os processos de avaliação reú-nem conjuntos extensos de dados e necessitam de ser comunicados edebatidos pelas escolas com o maior número de pessoas possível(gestores, professores, funcionários, estudantes, pais). Como organi-4zar e disponibilizar estas massas de dados qualitativos e quantitati-vos?Fugindo dos ranqueamentos, foram criadas formas de análi-ses multidimensionais que levam até as escolas, a partir de uma ma-triz formativa alargada, as variadas dimensões de desenvolvimentodo processo educativo – incluindo aqueles que as avaliações exter-nas oficiais disponibilizam. Este enfoque, amplia e dá significaçãoaos dados oficiais e foca nas condições locais explicativas de tais in-dicadores, mobilizando a escola seja para manter ou alterar suaspráticas.O desenvolvimento de novas práticas de avaliação para umarede de ensino não é questão que se viabilize de forma linear. É mar-cada por variados conflitos provenientes das várias situações práti-cas que perpassam a rede, das mudanças políticas que ocorrem den-tro e entre gestões, crises políticas etc. O desenvolvimento destas no-vas formas ocorreu de maneira às vezes descontínua, mas ao longodo tempo sempre avançando para novos patamares. Mais em umaescola, devido às suas condições, menos na outra: cada uma delas aseu ritmo. E é aqui que as reformas passam por sua prova de fogo,pois a micropolítica da escola, acaba por viabilizar ou impedir a ma-cropolítica às vezes pensadas nos gabinetes oficiais. Mas se os cami-nhos, aqui, não são lineares; se às vezes sua lentidão traz desconfor-tos, eles são, por outro lado, mais firmemente construídos e mais du-radouros. A presente publicação disponibiliza os esforços construídosnesta direção. Ela é produto de um extenso trabalho coletivo que en-volveu inúmeros profissionais da universidade, da rede pública deCampinas, doutorandos e mestrandos – convencidos de que os atu-ais modelos de avaliação verticalizados em voga não produzirão osefeitos desejados de melhoria da qualidade da escola, em seu senti-do alargado, ou seja, no sentido da qualidade social desejada para aescola.Prof. Dr. Luiz Carlos de Freitas
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